Teresa Lima | Arquivo Municipal de Gondomar

Há uns anos, era eu jornalista e acérrima defensora da administração aberta. Desesperava com as burocracias que emperravam respostas: o dever de sigilo que esconde imperfeições, o documento revelador passado à socapa por vias travessas ou cuidadosamente protegido pelos zelosos administrativos das instituições públicas. Houve uma vez em que a boa vontade foi manifesta, mas a visão do amontoado de documentos em arquivo, sem ordem nem regra, fez-me compreender o olhar descrente da administrativa que me atendeu num tribunal de 1.ª instância.

Agora, deste lado da barricada, surpreendi-me com o ligeiro arrepio de desconfiança que a recente Lei de Acesso aos Documentos Administrativos me provocou. Serei, já, uma engrenagem da máquina administrativa e nem me apercebi da assimilação? Eis a frase fundamental da nova LADA: “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos”.

Primeira reacção: todos têm direito a, querendo, consultar o processo de obras da minha casa? Um ladrão, um mal intencionado, sei lá. Desvarios. Ciosos do valor dos documentos, há muito quem alegue causas maiores para a sua protecção dos olhos do mortal. Advogado, eleito local, vá lá. Têm representação legal. O comum do cidadão? A propósito de quê?

Acho que todos nos sentimos já com suores frios e respirámos bem fundo antes de nos dirigirmos a uma repartição pública com o objectivo de pedir uma informação ou um insignificante papelucho. O aspecto inquiridor de muitos dos nossos funcionários é ainda herança do longínquo (?) Estado Novo. Isto acaba por ser como na selecção natural. Anos e anos de evolução, mudanças decisivas, mas muito lentas, quase imperceptíveis. Foi-nos ficando nos genes.

Vejamos, agora, pelo outro lado. Um membro da oposição política que pede para consultar actas e esbarra com exigências toscas, um cidadão que pede cópia de facturas e recebe um não injustificado, dois jornalistas que vêem negado o acesso ao processo de privatização de uma organização com base num evasivo “segredos da empresa”. Está tudo no site da CADA, na parte dos pareceres, para quem quiser tirar dúvidas. E se isto não é cidadania, então não sei o que é cidadania.